sexta-feira, março 24, 2006

Da arte de comer puta sem pagar

Há entre os homens toda uma cultura herdada do tempo em que saímos para caçar com os amigos e nossas mulheres não reclamavam. Um mundo secreto, que elas não acessam, não entendem e muito menos têm interesse. Uma série de hábitos, rituais, tradições, que evoluíram ao longo do tempo e se arraigaram de tal forma que não precisamos conhecer para os colocar em prática. É natural, genético.
O exemplo que melhor ilustra essa riqueza escondida é provavelmente o hábito de tentar comer putas sem pagar. Convencer uma prostituta a deixar de ganhar seu ganha-pão é uma arte milenar. Há toda uma literatura, uma poesia no processo de tentar transar com uma puta de graça. Se a ela cede apenas por prazer, pela atração sexual, nem ela é puta, nem ele é artista. A meretriz deve ir pela ilusão, pela promessa de uma vida diferente, de um pai que não teve, de um homem que não foge quando a engravida, de um apartamentinho na barra.

- O que uma menina tão linda como você faz aqui nesse lugar?
- Que que você acha?
- Vem cá.
- Me paga uma cerveja?
- Pode pegar lá.
- E aí, gato, vai ou não vai?
- Peraí, vamos conversar. Não acredito que encontrei uma mulher tão linda aqui. Qual o seu nome?
- Samanta.
- Não. Diz seu nome de verdade.
- É Samanta, ué.
- Tá. Prazer, Roberto.
- Você trabalha aqui há muito tempo?
- É minha primeira semana.
Clientes passam falando:
- Depois sou eu, hein, Samanta!
- Minha morena maravilhosa, você tava sumida.
Depois de uma hora de conversa:
- Mas você não é casado?
- Sou, mas eu tô me separando.
- Ihhh, é sempre o mesmo papo...
- Sério, não agüento mais. Só falta botar no papel. Eu quero começar outra vida, sabe? Eu tenho esse apartamentinho na barra. É pequeno, mas dá para ficar. Tô acertando ele. Mais um mês, dois ele fica pronto. Quero me mudar pra lá e te levar comigo. Te tirar dessa vida. Uma mulher assim não pode ficar nesse lugar. Eu me apaixonei de cara, Samanta. Isso deve ser um sinal, sei lá.
- Sabe, Roberto, pode me chamar de Marlene. É meu nome de verdade. Samanta é meu nome artístico, sabe?
- Marlene...ainda mais bonito!
Outra hora depois:
- Você vai embora agora?
- Vou.
- Vem comigo. Tô muito sozinho hoje.
- Já te falei que não dá. O gerente fica de olho.
- Faz o seguinte: me encontra ali embaixo, em frente ao bar.
- Ai...tá bom. Vou tomar banho e pegar as minhas coisas. A gente vai para a Barra? Para o seu apartamento?
- Não. Te falei que eu tô fazendo uma obra. E eu tenho que acordar cedo amanhã. Vamos prum lugar aqui perto mesmo. Só pra gente ficar um tempo junto. Quero ficar com você, Marlene. Quando estiver tudo pronto eu te mostro. Tô indo então.
- Me encontra lá?
- Tá.

***
Se me perguntassem como saber o preço de uma puta sem falar com ela, diria que é pelo nariz. Abaixo de um certo nível, digamos, uns 300 reais, todas as prostitutas têm o mesmo cheiro. E, quanto mais baixo for o michê, mais forte ele fica. A prostituição é uma profissão de constrastes. Ao mesmo tempo que deve ser discreta, é espalhafatosa e chamativa. Se trabalhasse na área de recursos humanos de uma casa de massagens, meu primeiro conselho a força de trabalho seria: - Minha filha, pare de usar esse creme impregnante e vagabundo, feito sei lá de quê. O segundo seria: - Deixe de se parecer com uma puta. Essa talvez seja a forma mais rápida de subir nesta carreira. Quanto menos a prostituta se porta e se veste como tal, maior será o seu salário. É claro que há exceções, como há em tudo, mas a regra é em geral essa.

terça-feira, março 14, 2006

Perna dormente, testa suada, vista semi cerrada, oscilando entre variadas gamas da frequencia alfa.

O "2 disketes por apenas 1 real, 3 amendoins por apenas 1 real, 12 chicletes por apenas 1 real..." me tirou da agitada discussão interna sobre a relevância das cores e sorrisos que ficavam pra trás a 60km/h.
Ainda não tinha reparado que todas as fotografia, símbolos, ícones, frases engraçadinhas, slogan, olhares(...) que moram nas vias públicas, estão ali querendo dinheiro. Um jovem senta ao meu lado durante o anuncio do ambulante.

Como será que eu posso expressar o meu desprezo por ambos? Passou pela minha cabeça, enquanto observava, apático, o desfilar de um corpo feminino pela roleta.

O ambulante travou contato visual com a mão do jovem, que não parava de procurar algo dentro de sua bolsa transpassada. Bem na minha frente, jazia agora, um pêndulo de doces vulgares. Observei a disposição do suor no rosto do camelô, enquanto o mesmo bradava, mais uma vez, o seu discurso previamente decorado sobre a sua dura vida atual.

“Putz... que merda...”. Exclamei, quase em silêncio.

(Esse foi o meu momento de condescendência do dia. )

“ Putz... que merda...” ele exclamou, quase em silêncio.

Pelo afastamento da voz esganiçada, percebi que a negociação com o jovem ao meu lado não havia dado certo. Por um momento fiquei satisfeito mas, por força do habito, acabei abrindo mão das minhas idiossincrasias para procurar motivos da não realização da comercial informal.

A Repentina movimentação de mão dentro daquilo que, não sei se pode ser chamado de bolsa, atraiu, imediatamente, os instintos pró-ativos do mascate.
Alheio a tudo e todos, o jovem, finalmente, achou o que estava procurando. Neste mesmo momento, o então, aturdido vendedor, se deixou exclamar um absurdo compatível com o que vira nas mãos do suposto comprador. o inusitado.

Thales, agora bem desperto e irritado, ainda não havia entendido o que se passava, pois, na minha fingida discrição blaze, isto é, de soslaio, só conseguia alcançar o elefante branco transpassado.
No momento em que decidi mudar a posição do corpo, isto é, vestir a camisa para me tornar uma espectador mais participativo, testemunhei um braço fazendo movimentos convulsivos da cruz cristã e um terço entre os dedos.

Ele também estava usando um par de meia Speedo.